A escrita que se expande - Ariana Nuala
- Thiago Costa
- 1 de mai.
- 4 min de leitura
A ESCRITA QUE SE EXPANDE
Ariana Nuala
Mestre em Artes Visuais e Curadora do Museu Afro-Brasil
Texto escrito para exposição
Igbaki ou o Assentamento da anunciação
na Caixa Cultural em São Paulo
Ao adentrarmos na obra de Thiago Costa, somos tomados por uma série de instrumentos, ou até mesmo vestes, onde o artista nos convida para duas dimensões: a escrita que se expande para além de seu próprio corpo e a interseção de elementos - como traçados de ferro ou entrelaçados de linhas - que tecem as narrativas de suas criações.
Em seus exercícios, o artista não se limita a ele mesmo. Seus estudos irradiam força que poderiam transformar das mais íntimas relações as mais longínquas. Ele busca uma escrita que não se restrinja a um único indivíduo, mas que se estenda a gestos que nos instigam a reconsiderar o tempo singular. Essa grafia não é apenas a expressão do pensamento de Costa, mas fragmentos de mensagens que, ao se reunirem, se inscrevem em um fazer coletivo.
Essa abordagem revela um processo que não pode existir sem um profundo ato de escuta.
Em seu ritual cotidiano, ele suspende seus ouvidos e abre seus poros, permitindo que as vozes dos outros o inspirem, dando origem a imagens que ressoam em uma sinfonia de diferentes tons e significados.
Thiago Costa resgata formas de saudar ou de louvar, incorporando os orikis, palavras-chave de força transmitidas principalmente através do corpo, gestos e oralidade. O artista transforma essas declarações em esculturas que não apenas dialogam com o ferro, mas também reconfiguram o espaço ao seu redor. Elas não falam apenas sobre o trabalho, mas, antes de tudo, sobre o ato criativo. Costa faz referência a saberes tradicionais de matrizes indígenas e africanas, reconhecendo a importância da conexão com a terra e o fogo na criação de seus instrumentos. Em 2019, testemunhamos sua primeira exposição individual chamada "Banzo", um repositório de memórias que transcende as sensações inapreensíveis da rotina, uma presença inquietante que ecoa e ressoa profundamente. O artista traz consigo uma bagagem de narrativa urbana e caligrafias, marcando sua pesquisa com símbolos e grafismos.
Sua capacidade criativa é como um mito que atravessa os domínios da vida nas ruas para outros espaços internos. Seus traços entrelaçam narrativas, recriando a experiência de um corpo diaspórico, em comunicação com vias complexas. Esse casamento entre palavra e imagem desafia as hierarquias da linguagem, subvertendo preconceitos sobre as relações entre diversas formas de expressão.
Palavras e imagens se complementam, ecoando na historiografia de culturas passadas e contemporâneas, como a cultura islâmica, com seu estudo da caligrafia árabe, e os Sons, intrincados desenhos feitos em areia que narram eventos e histórias dos Tshokwe, angolanos de origem bantu. A ideia de separar palavras e imagens começou no Renascimento, no início do século XIV, mas na contemporaneidade, artistas como Thiago Costa se dedicam a desmistificar essa concepção, abraçando a diversidade de formas de comunicação.
Igbaki é uma reflexão sobre a linguagem, um ato de desfazer, torcer, religar, uma traição do próprio verbo. Nessa ação, que é uma dobra, o artista pratica os ofícios de seu pai com o ferro e de sua avó com o tecido. Porém, nesta costura, relembra o desatar do cansaço, que é reflexo de um labor incansável, uma coreografia que entra em repetição, invariavelmente, e que o retira do eixo, a si mesmo.
ENGLISH VERSION
THE WRITING THAT EXPANDS
Ariana NualaMaster in Visual Arts and Curator at the Afro-Brazilian Museum
When we enter the work of Thiago Costa, we are met with a series of instruments—or even garments—through which the artist invites us into two dimensions: a writing that expands beyond his own body, and the intersection of elements—such as iron lines or interwoven threads—that weave the narratives of his creations. In his practice, the artist does not limit himself. His studies radiate a force capable of transforming everything from the most intimate relationships to the most distant. He seeks a form of writing that is not confined to a single individual but extends into gestures that prompt us to reconsider singular time. This writing is not merely the expression of Costa’s thought, but fragments of messages that, when brought together, inscribe themselves in a collective making. This approach reveals a process that cannot exist without a profound act of listening. In his daily ritual, he suspends his ears and opens his pores, allowing the voices of others to inspire him, giving rise to images that resonate in a symphony of varied tones and meanings.
Thiago Costa retrieves forms of praise and homage, incorporating orikis, powerful key words transmitted mainly through the body, gestures, and orality. The artist transforms these declarations into sculptures that not only converse with iron but also reconfigure the space around them. They speak not only of the work itself but, above all, of the creative act. Costa references traditional knowledge rooted in Indigenous and African heritages, recognizing the importance of connection with earth and fire in the making of his instruments.In 2019, we witnessed his first solo exhibition titled Banzo, a repository of memories that transcends the elusive sensations of daily life—an unsettling presence that echoes and resonates deeply. The artist carries with him a background rich in urban narrative and calligraphies, marking his research with symbols and graphic motifs.
His creative capacity is like a myth traversing the domains of street life to inner spaces. His strokes interlace narratives, recreating the experience of a diasporic body engaged in dialogue with complex pathways. This union between word and image challenges the hierarchies of language, subverting prejudices about the relationships between different forms of expression. Words and images complement one another, echoing through the historiography of past and contemporary cultures—such as Islamic culture, with its study of Arabic calligraphy, and the Sona, intricate sand drawings that narrate events and stories among the Tchokwe people, Bantu-descendant Angolans. The idea of separating words and images began during the Renaissance, in the early 14th century, but in contemporary times, artists like Thiago Costa dedicate themselves to demystifying this notion, embracing the diversity of communicative forms.
Igbaki is a reflection on language, an act of undoing, twisting, reconnecting—a betrayal of the verb itself. In this action, which is a folding, the artist enacts the crafts of his father through iron and of his grandmother through fabric. Yet, in this stitching, he recalls the untying of weariness, a reflection of tireless labor—a choreography that enters repetition, invariably, and takes him off-center, from himself.
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